A ESTAÇÃO IMAGEM, com o apoio da Câmara Municipal de Mora, atribuiu, entre 2010 e 2014, uma bolsa anual destinada à realização de um projecto documental sobre o Alentejo. O​s​ trabalho​s​ foram publicados em livro e divulgados através de exposições itinerantes.

ÁLBUM DE FAMÍLIA
Nelson D'Aires

Em 2010, graças à ESTAÇÃO IMAGEM, entrei pela primeira vez em contacto com o trabalho de António Gonçalves Pedro (AGP) e logo fiquei impressionado. Impressionam-me o seu instinto, a qualidade daí resultante, assim como me motiva uma identificação com o seu gosto de buscar o cidadão comum, desmascarado. António Gonçalves Pedro foi um fotógrafo que chegou a Mora com 16 anos de idade e aí acabou vivendo a maior parte da sua vida. Ao longo de meio século, praticou o acto de olhar, buscando identidades no mais genuíno do seu tempo, focando-se essencialmente nas pessoas de Mora e dos seus arredores. O meu contacto com AGP deu-se graças à publicação de um livro com chancela da Câmara Municipal de Mora, saído em 2003, resultado de longo trabalho de observação, recuperação e edição de um arquivo com cerca de 100 mil negativos, na sua maioria retratos, entregue pelos familiares de AGP e de que hoje a ESTAÇÃO IMAGEM é fiel depositária. A partir do arquivo de AGP, proponho-me usar a BOLSA ESTAÇÃO IMAGEM 2012 como fundo de pesquisa para, com o devido respeito, dar a continuidade possível ao ciclo de gerações que passaram pelo Stúdio Fotográfico de AGP para serem fotografadas. Sei que o arquivo está repleto de imagens de crianças em pose de aniversário, noivas caiadas de branco, grupos de moças ranchadeiras do campo, famílias endomingadas e mulheres sentadas a uma mesa a escrever cartas de amor aos namorados que estavam a combater na guerra de África, além de outros documentos. Muitas destas pessoas voltavam ao seu Stúdio anos depois, para serem fotografadas em dias de comunhão ou de aniversário de mais uma criança. Muitas destas pessoas estarão vivas, terão descendentes, farão ainda parte da vida activa de Mora, como um reduto de uma memória viva, uma história a completar. AGP terá fotografado quase todos os habitantes e lugares de Mora por décadas e o que mostra é um património inestimável. Daí, a urgência que sinto em encontrar, no presente, algumas das pessoas das fotografias do arquivo de AGP e cristalizá-las agora nos seus ambientes e noutras circunstâncias de vida; esta urgência prende-se exactamente com a angústia da consciência de que, a cada dia que passa, cada vez mais elos se perdem com a morte/esquecimento daqueles “que viram o imperador” (Roland Barthes, in A Câmara Clara), porque as nossas vidas, ao contrário do registo das imagens, são efémeras. Este projecto associará necessariamente um certo trabalho de arqueologia das imagens à construção de narrativas sociológicas da evolução de pessoas, das épocas e, acima de tudo, da história de um povo e do seu lugar. A fotografia de hoje é o legado do amanhã e o fotógrafo um interlocutor da natureza humana, um mensageiro geracional. A fotografia de ontem não acaba no passado, porque a sua história continua infinitamente. E que rosto e identidade tem nos dias de hoje um dos muitos bebés que AGP retratou? Continuar o ciclo de registo de memória quebrado é esse o propósito deste projecto para a BOLSA ESTAÇÃO IMAGEM 2012. Em 2013 o livro completará 10 anos de vida e esta é uma oportunidade para celebrar a memória de um fotógrafo que uniu gerações e que dedicou a sua vida à causa fotográfica e à vila de Mora.

Nelson D’Aires
Abril, 2012

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